sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O fenômeno Jihad


Jihad Kohdr, Sunset 2009

Toda temporada havaiana começa com uma expectativa particular: a de que algum brasileiro enfim repetirá o feito de Fábio Gouveia em 1991, único brasileiro que já venceu uma etapa do circuito mundial no Hawaii - há 18 anos. Nas duas últimas temporadas, houve quem chegasse muito perto, como nunca antes aliás: Leonardo Neves foi vice em Sunset em 2007; em 2008, Jihad Kohdr repetiu o feito em Haleiwa. Ambos os eventos com ondas grandes e boas.

Este ano os resultados não se repetiram, nenhum brasileiro passou das quartas-de-final nos eventos da Triple Crown. Em Pipeline, o recorde foi negativo: os três representantes nacionais perderam na estréia. Mas o saldo não foi de todo ruim: Marco Polo conseguiu em Haleiwa os pontos que precisava para chegar ao WCT; e Jihad Kodhr foi novamente destaque, dessa vez em condições assustadoras em Sunset. Jihad é um caso singular no surfe brasileiro, sua história - repleta de altos e baixos, como a de Neco Padaratz - rende um bom roteiro de filme.

Não vou mencionar seu histórico como amador - este blog não dá subsídios para tanto. Como profissional, a primeira vitória veio no ano em que mudou de categoria: 2002, na 5ª etapa do SuperSurf, na Joaquina. Em ondas grandes e difíceis, a ponto de se usar o auxílio de jet-skis, ele superou de forma convincente o experiente Eric Miyakawa na final. Com 18 anos, foi chamado de "novo prodígio do surfe brasileiro".

A primeira conquista pelo WQS veio em 2004, em condições bem diferentes (sofríveis; ondas pequenas e vento maral), no Reef Brazil em Torres (RS). No ano seguinte, chegou ao final da temporada disputando um lugar entre os top 15 do Qualifying. Mas foi barrado pela imigração norte-americana a caminho do Hawaii. Sem disputar as duas etapas decisivas em Haleiwa e Sunset, ficou de fora da elite por uma posição.

Para compensar, em 2006 botou o SuperSurf no bolso. Disputou quatro das cinco finais e venceu duas; foi campeão com quase mil pontos a mais do que o vice. Também estreou na elite como alternate, chamado para três etapas - Bells, México e Brasil.

Mas 2007 é que foi seu grande ano. Conquistou o bicampeonato do SuperSurf com uma vitória em Itamambuca e duas semis nas etapas decisivas (Maresias e Barra da Tijuca). No Qualifying, voltou a vencer - em Durban - e terminou o ano em 9º, chegando enfim à elite. Ainda recebeu o prêmio Rookie of the Year da Tríplice Coroa, no Hawaii. Título brasileiro e vaga no WCT no mesmo ano é feito raro. A polêmica, porém, não tardou: por ter faltado ao exame antidoping na última etapa, foi punido com a perda de pontos (e do título); a questão foi parar na Justiça.

Lembro que no início de 2008 o estreante Jihad foi, dos seis brasileiros no WCT, o que mais prometeu resultados na mídia. A resposta foi dura: com seis derrotas na repescagem (e as outras quatro no round 3), sofreu o ano inteiro com a ironia pesada de Lewis Samuels, que tripudiava particularmente de seu estilo e técnica de entubar de backside, sem falar nas referências ao nome. Mas Jihad se manteve na elite pelo WQS com um feito de última hora, inesperado para a maioria: o vicecampeonato em Haleiwa, realizado em um dos melhores mares da história do evento.

Em 2009, para quem apostava em uma reprise do ano de estréia, a temporada começou surpreendente: Jihad foi às oitavas na Gold Coast, somou mais de 18 pontos no round 3, feito alcançado por poucos no ano inteiro. Até Samuels baixou a guarda. Porém o restante da temporada foi frustrante, com seis derrotas na estréia ele chegou ao Hawaii sem chances de se manter na elite. Poderia ter sido diferente: vacilos à parte (como na Vila e em J-Bay...), Jihad sofreu em Mundaka uma derrota contestável para Slater. Uma vitória provavelmente mudaria o rumo da história.

Resultados à parte, a crítica também mudou de postura. Se no PowerRankings de Samuels Jihad era o patinho feio do WCT, seu substituto Ian Cairns não poupa elogios à evolução do brasileiro (Kanga, aliás, mostra na escrita a mesma coragem que nas ondas).

No começo de dezembro, enfim, na última etapa do Qualifying 2009, no maior mar já visto em uma competição da Tríplice Coroa Havaiana, Sunset Beach enorme, séries varrendo o canal, Jihad recebeu a maior nota da competição - 9.67 - por um tubo e uma rasgada em uma onda de 10 a 12 pés. Ao lado de Alejo Muniz (rookie of the year da Tríplice Coroa) e de Carlos Burle (primeiro representante nacional no Eddie Aikau), foi um dos destaques do surfe brasileiro no Hawaii este ano.

Em 2010 Jihad volta ao WQS com plenas chances (e minha torcida) de dar novamente a volta por cima.

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