Torcer para conterrâneo, por coincidência de origem, faz menos sentido do que por outras simpatias, como admiração por técnica, estilo, feitos, ou afinidade de qualquer ordem - étnica, histórica, social ou mesmo (i)moral. Há muitas citações interessantes sobre nacionalismo/patriotismo, que é uma doença infantil, "o último refúgio do patife", ou a mãe de todas as guerras; porém acompanhar qualquer esporte pela ótica nacionalista continua sendo um hábito irresistível para a maioria, e não sem justificativas lógicas.
Desde o surgimento do surfe profissional, as competições têm sido dominadas por australianos e norte-americanos, com raras exceções. Basta dizer que até 1993 somente dois campeões mundiais não haviam nascido em um desses dois países: o sul-africano Shaun Tomson (1977) e o britânico Martin Potter (1989). Detalhe: a terceira potência a comemorar títulos não foi propriamente outro país, mas o Hawaii, 50º estado norte-americano.
Há que se fazer um parêntese sobre os havaianos. Berço do surfe moderno, o Hawaii é considerado nação à parte pelos surfistas, apesar de ter sido apropriado pelos EUA a partir do século 19 e alvo de intensa imigração desde então. Os remanescentes da população com descendência polinésia hoje se misturam, inclusive geneticamente, com imigrantes de origens diversas - tanto que há até "havaianos brasileiros" disputando o WQS. Mas, para todos os efeitos, os havaianos são terceira parte na rivalidade entre aussies e yankees, que tanto alimenta o folclore do surfe mundial.
As demais nações sempre foram coadjuvantes. Algumas com destaques pontuais: os sul-africanos, além de Shaun Tomson, desde a geração Free Ride de tempos em tempos emplacam algum top 16; os europeus tiveram Martin Potter (mesmo que expatriado) e nos últimos anos voltaram a rondar a elite com franceses, portugueses e espanhóis; e os brasileiros, presentes nos primeiros anos e alçados a condição de terceira potência nos anos 90, já ameaçaram até o título com alguns nomes.
Outras tiveram presença ainda mais modesta, mesmo que constante. Como os japoneses, que sediaram eventos importantes por mais de uma década, mas nunca alcançaram resultados além de medianos; ou os tahitianos, que tiveram Vetea David e agora tem Michel Bourez.
E há casos quase inexplicáveis, como os peruanos, que antes do circuito sediaram um mundial e consagraram um campeão (Felipe Pomar, em 1965), mas depois sumiram - relegados a destaque semelhante aos dos demais países sul-americanos de colonização hispânica.
A lista completa de nacionalidades atualmente no tour é extensa - indonesianos, tahitianos, britânicos, franceses, portugueses, espanhóis, alemães, irlandeses, marroquinos, chilenos, argentinos, uruguaios, mexicanos, portorriquenhos, costarricenses, venezuelanos, italianos, canadenses - mas é uma internacionalização um tanto relativa: a imensa maioria rema no Qualifying, com poucas chances reais de chegar a elite. Ou seja, mundial mesmo é o WQS.
No WT, dos atuais top 45, 36 são australianos, norte-americanos ou havaianos. E a redução programada para o meio do ano (para 32 integrantes) deve intensificar essa polarização. Será interessante observar quantos brasileiros, sul-africanos e europeus (sem falar no único tahitiano) restarão na elite após o corte. É provável que um dos efeitos imediatos seja um tour com menos representantes das "potências suburbanas" do surfe mundial.
Não se trata de teoria conspiratória. As motivações e consequências da redução são diversas, mas poucos discordam que as mudanças serão benéficas, fruto da evolução natural do circuito. Mas é fato que o Dream Tour é mantido por marcas, poucas e grandes, com base nos EUA e na Austrália; desses mercados vem grande parte de sua força e é natural que seus ícones sejam mais numerosos e, por que não dizer, favorecidos, às vezes inclusive de forma pouco ética.
Porém, a presença que os "pequenos" têm demonstrado em mundiais amadores e juniores comprova que talento não tem preferência de origem (tanto que o maior campeão de todos os tempos cresceu em um beach break um tanto medíocre). O tour principal se tornará mais internacional a medida que se equilibrarem os fatores extra-mar.
Claro que há um longo caminho a percorrer. Como bem observou Júlio Adler, o Brasil coleciona títulos mundiais no Pro Junior, mas poucos desses campeões tem estrutura para se firmar no WT. Como também observou muito bem o colega do TrueSurfing, além de surfar, alguns de nossos talentos brutos ainda precisam aprimorar conhecimentos básicos como falar inglês.
Mas enquanto isso não acontece, vale lembrar que o Brasil, mesmo sem muita tradição ou infraestrutura no tênis, produziu um Guga Kuerten.
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