Parei de escrever sobre o 'tour do Slater' ou 'tour rebelde' porque os desdobramentos rendem novidades quase diárias e este blog é um banco de dados, não de notícias ou rumores. Mas registro aqui algumas conclusões pessoais, antes mesmo que se chegue a definições.
Primeiro e principalmente, por melhores que sejam as intenções, não há dúvida de que o assunto foi tratado de forma desastrada, com certo custo à imagem do Kelly Slater. Muita gente, inclusive eu, tirou conclusões negativas sobre suas motivações e objetivos. Os australianos em especial se exaltaram.
Porém, tudo tem um lado positivo, e como li em algum comentário, entre as muitas dezenas nas tantas matérias a respeito, o tal tour rebelde ampliou o debate sobre a ASP e seus circuitos. De tudo que vi, ressalto algumas questões pertinentes, talvez discutíveis, sobre medidas para valorizar as competições internacionais de surfe.
A redução do número de competidores no WCT. Atualmente são 45 fixos e 3 convidados. Com menos (total e fixos), os eventos seriam mais curtos e aproveitariam melhor as ondulações; as baterias poderiam mais longas, e maior a proporção de convidados ou trialistas; e as disputas ficariam restritas aos mais competitivos.
A padronização das transmissões via web. Tanto nos recursos técnicos, quanto na escolha de locutores e comentaristas. Atualmente as transmissões ficam sob controle e responsabilidade dos patrocinadores de cada etapa, individualmente, com contrastes evidentes. A principal intenção é trabalhar na construção da imagem dos competidores, fundamental para a valorização do esporte.
Os direitos de imagem dos eventos. Devem ser controlados pela ASP e pertencer aos surfistas, não a empresas particulares. Por exemplo, o proprietário da Dynacom detêm os direitos sobre grande parte do material produzido na década de 90. Pessoalmente, penso que deveria ser tudo de domínio público. Vale lembrar que nem os resultados completos do WQS de anos anteriores estão disponíveis no site da ASP (e até o ano passado, nem os do WCT).
Estabilidade financeira aos atletas. Passa pelo aumento na premiação, irrisória se comparada a outros esportes, mas também por outras questões, como o financiamento do transporte, hospedagem e seguro dos competidores (esta última uma disputa antiga). A polêmica passa pelo acesso ao circuito de patrocinadores de fora do meio, em especial as gigantes multinacionais, que exigem um produto mais atrativo ao grande público para investir. Lewis Samuels costuma repetir que as etapas do WCT são bancadas basicamente por Quiksilver, Rip Curl e Billabong, e que as empresas do surfe que tomam parte nas decisões da ASP bloqueiam a abertura para as de fora. Mas o debate envolve também os prós e contras da massificação do esporte, ao qual muita gente se opõem, até por interesses particulares.
Sobre algumas questões, contudo, há consenso. Deve haver apenas um campeão mundial, sem divisões internas, como acontece com o boxe e outras modalidades. E a ASP, como orgão máximo do surfe, deve ser dirigida por surfistas com o objetivo de representar e defender os interesses da classe.
Como bem observou o Slater em entrevista antiga no PostSurf, a cada dez anos, mais ou menos, o circuito mundial passa por mudanças. Em 1976 foi instituída a IPS e o primeiro tour; em 1983, a ASP, e o foco mudou do Hawaii para a Austrália; em 1992 foram criadas as divisões WCT e WQS; no final dos anos 90, surgiu o conceito de Dream Tour. O novo formato testado este ano pode ser uma tentativa de responder às críticas de estagnação do circuito, mas desagradou a maioria. O que comprova que a unificação dos rankings, outra medida anunciada em 2008, também precisa ser amadurecida.
Interessante observar o papel que a internet tem nesse processo, tanto pelas transmissões on-line de eventos, quanto pelos blogs, onde o debate é intenso. Quem diria que a rede teria uma participação tão intensa na transformação de um esporte caracterizado pelo isolamento em meio a natureza.
Belo texto, boas considerações. Acho que os membros da ASP ganham muito pelo que produzem. Um clubinho mais do que fechado. Ninguém buscou a evolução no surfe como esporte. Um exemplo:Não deixaram o Mario Firmino (shaper) na etapa da França expor suas pranchas 100% biodegradáveis. Não fazem ações sociais pelo mundo. Qual foi a ação que eles fizeram na Indonésia pós-tsunami? Enfim, falta muita para esses dirigentes que hj comandam o surfe no mundo.
ResponderExcluirexato Maurio, por essa e por outras que apenas 1 vez por ano eu acompanho WCT. Vou à praia da vila, sento no costão para ver os caras surfarem e não quero nem saber quem ganhou ou não. Só quero ver o surf e se fosse free surf, seria melhor ainda pois eles não teriam que ficar na mesmice para ganhar notas.
ResponderExcluirUm belo texto. Gostei das considerações.
ResponderExcluirSinceramente, penso que essa é mais uma manobra para tirar a organização do esporte das mãos dos ratos de praia australianos,(e que se vendem barato para as marcas tradicionais), para passar para as mãos dos empreendedores americanos. Se for para valorizar os atletas, fazer eventos mais curtos e com mais espetáculo, e principalmente para aumentar as premiações para os atletas, acho que vale a pena mudar. se nosso esporte movimenta tantos milhoes de dólares pelo mundo, que se aumente o percentual dos atletas, que são a grande força do esporte.
Dadá Souza - http://surfabout.blogspot.com/
Eu só fico preocupado com a acessibilidade de novos talentos para esse modelo com menos oportunidades e menos vagas. Será que o surfe vai ficar como a F1? Tá todo mindo dando pitaco, mas ninguém se tocou que isso é uma forma de elitização do esporte, com privilégios para meia dúzia de afortunados. E o resto do mundo que ama o surfe e quer um lugar ao sol também? As associações estão morrend à míngua, com dificuldades para realizar os seus circuitos internos, ou para bancar uma simples etapa do estadual amador. O que os pequeos têm a ganhar com esse movimento no topo da cadeia alimentar do surfe???
ResponderExcluirJefferson, assino embaixo. A primeira pergunta a se responder no anúncio de um novo tour, na minha opinião, é como se entra nele. Em consideração aos novos talentos, afinal todo mundo tem data de validade. Sem essa resposta, fica sendo um projeto imediatista.
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